Passo o teu nome da minha boca para este lugar de papel. E assim tu vens, menina do rio, louca e desastrada, nessa tua canoa de silêncios, a entrar no poema. Mãos em existência felina e respirando sem pausas. Voltas a cabeça para o lado da luz e abre-se devagar o talento incendidado do teu rosto.
Tu, saída de um egipto sem tronos, pondo as mãos sobre o poema, ferindo o poema, recuperando o poema no meio do espesso sangue suicidário, a nado, porque houve um naufrágio porque os teus cabelos se enredaram em limos porque o tesouro marcado estava afinal noutro sítio, noutra sabedoria de corsários, caravela despenhada em pano negro, destroços no meio do mar.
Podes olhar agora, à distância de um túmulo, a fotografia nítida do teu desaparecimento. Mas se um animal se deixa abater, logo ressurge numa tempestade violenta para reclamar o seu corpo. eu vi o teu fantasma. Eu subi à nave de pedra onde a água não chega. Eu estive no teu cemitério de vozes. Tu caminhavas em círculo, batendo os pulsos, enfeitiçada pelo sinistro rutilar dos pirilampos. Tu estavas numa sala fria, provando peles ao espelho da tristeza.
Contei as tuas mãos, estavam certas. Conto-as novamente neste princípio de estação, e enquanto conto tu me ensinas a cantar e estás sentada na tremenda ignorância da tua beleza. Eu juro e canto - e as tuas mãos são duas afinal.
Vou contar-te a minha história: tinha 17 anos e lancei a cabeça a um poço, fiquei à espera.
Se existe uma chave, se existe uma chave que não derreta na boca, se existe uma boca capaz de se abrir para outra boca, então eu amo, eu beijo, eu deixo de esperar.
Então tu saltas e arrastas contigo toda a terra. Convidas-me para o teu corpo no gesto sem mágoa de um ombro que se expõe. Tens anos de combustão solar, e moves-te assim: tocando simultaneamente o resgate e o perigo.
Ah forte como a loucura é o amor, o amor como a electricidade dos campos. O amor-pirâmide, o amor-trevo-de-quatro-folhas, o amor-moeda-achada-no-chão. Não digas sorte, diz privilégio. Não peças perdão, pede chuva. Não recues, assombra-te.
Com os teus olhares me coseste à sombra de uma mulher na varanda fumando. A minha casa, da sala para o quarto, do quarto para o sótão, pergunta por ti. Digo que tu não vens, digo que nos separa agora a dinastia de sete reis insensatos.
A minha casa, horóscopo que não decifro, sítio de paredes, novembro e tejo. A minha casa como uma vértebra iluminada, suportando tudo metendo tudo no seu lugar lançando tudo para o turbilhão de dois olhos animais.
Eu sei que o tempo se desfaz em areia e vidro, eu sei que o cenário se desmontou há muito e, porém, o nosso teatro continua. Eu mascarado de caixa de segredos, tu numa camisola de trapos, atirando um pião, um dedo meu. Os meses lentos.
A minha alegria é um aroma de tangerina nos dedos, comer aos gomos a paisagem e limpar depois a boca à manga do espanto.
Tu puxas-me e somos duas crianças num trilho de mata, num banco de pedra, num portão verde dividindo o aqui e o ali. Porque nós estamos aqui. Aqui onde te entrego os meus bolsos, e - repara - as tuas mãos cabem.
Menina do rio na tua canoa de silêncios, a tua voz enrola-se na minha voz como prédios e sombra numa cidade, como leite e açúcar na infância, como o destino de um navio. Atravesso quilometricamente a pobreza deste reino para te ver, para te ver uma bússola de neve, uma corda vermelha, a destreza de um telhado através dos dias.
Tu não precisas falar uma outra língua, o persa é uma língua que nos chega! Tu não precisas oferecer-me portas e milhares de portas, basta que apareças. Que apareças nesta fogueira de bruxas, na inquisição canina de uma época longe, muito longe, dolorosamente longe da magia de um homem e de uma mulher.
Nós estamos aqui para arder pelo nosso corpo completo. Tu e eu, leões estirados ao sol, harpa para os nossos dedos quentes, poema numa sala de lâminas.
Nós estamos aqui para fugir, nós estamos aqui para chegar de vez.
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6 comments:
a minha preferida até agora! brutal!!!! :)
Passo o teu nome da minha boca para este lugar de papel.
E assim tu vens, menina do rio, louca e desastrada,
nessa tua canoa de silêncios, a entrar no poema.
Mãos em existência felina e respirando sem pausas.
Voltas a cabeça para o lado da luz e abre-se devagar
o talento incendidado do teu rosto.
Tu, saída de um egipto sem tronos,
pondo as mãos sobre o poema, ferindo o poema,
recuperando o poema no meio do espesso sangue
suicidário, a nado,
porque houve um naufrágio
porque os teus cabelos se enredaram em limos
porque o tesouro marcado estava afinal noutro sítio,
noutra sabedoria de corsários, caravela despenhada em pano negro,
destroços no meio do mar.
Podes olhar agora, à distância de um túmulo,
a fotografia nítida do teu desaparecimento.
Mas se um animal se deixa abater,
logo ressurge numa tempestade violenta
para reclamar o seu corpo.
eu vi o teu fantasma.
Eu subi à nave de pedra onde a água não chega.
Eu estive no teu cemitério de vozes.
Tu caminhavas em círculo, batendo os pulsos,
enfeitiçada pelo sinistro rutilar dos pirilampos.
Tu estavas numa sala fria, provando peles ao espelho da tristeza.
Contei as tuas mãos,
estavam certas.
Conto-as novamente neste princípio de estação,
e enquanto conto tu me ensinas a cantar
e estás sentada na tremenda ignorância da tua beleza.
Eu juro e canto - e as tuas mãos são duas afinal.
Vou contar-te a minha história: tinha 17 anos e lancei
a cabeça a um poço, fiquei à espera.
Se existe uma chave,
se existe uma chave que não derreta na boca,
se existe uma boca capaz de se abrir para outra boca,
então eu amo, eu beijo, eu deixo de esperar.
Então tu saltas e arrastas contigo toda a terra.
Convidas-me para o teu corpo no gesto
sem mágoa
de um ombro que se expõe.
Tens anos de combustão solar, e moves-te assim:
tocando simultaneamente o resgate e o perigo.
Ah forte como a loucura é o amor,
o amor como a electricidade dos campos.
O amor-pirâmide, o amor-trevo-de-quatro-folhas,
o amor-moeda-achada-no-chão.
Não digas sorte, diz privilégio.
Não peças perdão, pede chuva.
Não recues, assombra-te.
Com os teus olhares me coseste
à sombra de uma mulher na varanda fumando.
A minha casa, da sala para o quarto,
do quarto para o sótão,
pergunta por ti.
Digo que tu não vens, digo que nos separa agora
a dinastia de sete reis insensatos.
A minha casa, horóscopo que não decifro,
sítio de paredes, novembro e tejo.
A minha casa como uma vértebra iluminada,
suportando tudo
metendo tudo no seu lugar
lançando tudo para o turbilhão de dois olhos animais.
Eu sei que o tempo se desfaz em areia e vidro,
eu sei que o cenário se desmontou há muito
e, porém, o nosso teatro continua.
Eu mascarado de caixa de segredos,
tu numa camisola de trapos, atirando um pião,
um dedo meu.
Os meses lentos.
A minha alegria é um aroma de tangerina nos dedos,
comer aos gomos a paisagem e limpar depois
a boca à manga do espanto.
Tu puxas-me e somos duas crianças num trilho de mata,
num banco de pedra, num portão verde
dividindo o aqui e o ali.
Porque nós estamos aqui.
Aqui onde te entrego os meus bolsos,
e - repara - as tuas mãos cabem.
Nós estamos aqui.
Menina do rio na tua canoa de silêncios, a tua voz
enrola-se na minha voz como prédios e sombra numa cidade,
como leite e açúcar na infância, como o destino de um navio.
Atravesso quilometricamente a pobreza deste reino para te ver,
para te ver uma bússola de neve, uma corda vermelha,
a destreza de um telhado através dos dias.
Tu não precisas falar uma outra língua,
o persa é uma língua que nos chega!
Tu não precisas oferecer-me portas e milhares de portas,
basta que apareças.
Que apareças nesta fogueira de bruxas,
na inquisição canina de uma época longe, muito longe,
dolorosamente longe da magia de um homem e de uma mulher.
Nós estamos aqui para arder pelo nosso corpo completo.
Tu e eu, leões estirados ao sol,
harpa para os nossos dedos quentes,
poema numa sala de lâminas.
Nós estamos aqui para fugir,
nós estamos aqui para chegar de vez.
Vasco Gato
Lindo! Obrigado :)
Bj*
Maravilhoso! Tudo. :)
emocionante..
e ainda mais acompanhada pela poesia trazida pela Vanessa!
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