Às vezes se te lembras procurava-te retinha-te esgotava-te e se te não perdia era só por haver-te já perdido ao encontrar-te Nada no fundo tinha que dizer-te e para ver-te verdadeiramente e na tua visão me comprazer indispensável era evitar ter-te Era tudo tão simples quando te esperava tão disponível como então eu estava Mas hoje há os papéis há as voltas dar há gente à minha volta há a gravata Misturei muitas coisas com a tua imagem Tu és a mesma mas nem imaginas como mudou aquele que te esperava Tu sabes como era se soubesses como é Numa vida tão curta mudei tanto que é com certo espanto que no espelho da manhã distraído diviso a cara que me resta depois de tudo quanto o tempo me levou Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid havia as ruas as pessoas o anonimato os bares os cinemas os museus um dia vi-te e desde então madrid se porventura tem ainda para mim sentido é ser solidão que te rodeia a ti Mas o preço que pago por te ter é ter-te apenas quanto poder ver-te e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te Sou muito pobre tenho só por mim no meio destas ruas e do pão e dos jornais este sol de Janeiro e alguns amigos mais Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te Eu aprendi a ver a minha infância vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos e penso que se bach hoje nascesse em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior que esta mesma tarde num concerto ouvi teria concebido aqueles sweet hunters que esta noite vi no cinema rosales Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem E penso que se nunca a bem dizer te vejo se fosse além de ver-te sem remédio te perdia Mas eu dizia que te via aqui e acolá e quando te não via dependia do momento marcado para ver-te Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te e antes de chegares já lá estavas naquele preciso sítio combinado onde sempre chegavas sempre tarde ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses se ausente mais presente pela expectativa por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente Mas sabia e sei que um dia não virás que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste ou até se exististe ou se eu mesmo existi pois na dúvida tenho a única certeza Terá mesmo existido o sítio onde estivemos? Aquela hora certa aquele lugar? À força de o pensar penso que não Na melhor das hipóteses estou longe qualquer de nós terá talvez morrido No fundo quem nos visse àquela hora à saída do metro de serrano sensivelmente em frente daquele bar poderia pensar que éramos reais pontos materiais de referência como as árvores ou os candeeiros Talvez pensasse que naqueles encontro sem que talvez no fundo procurássemos o encontro profundo com nós mesmos haveria entre nós um verdadeiro encontro como o que apenas temos nos encontros que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes Isso era por exemplo o que me acontecia quando há anos nas manhãs de roma entre os pinheiros ainda indecisos do meu perdido parque de villa borghese eu via essa mulher e esse homem que naqueles encontros pontuais Decerto não seriam tão felizes como neles eu pois a felicidade para nós possível é sempre a que sonhamos que há nos outros Até que certo dia não sei bem Ou não passei por lá ou eles não foram nunca mais foram nunca mais passei por lá Passamos como tudo sem remédio passa e um dia decerto mesmo duvidamos dia não tão distante como nós pensamos se estivemos ali se madrid existiu
(...) Se portanto chegares tu primeiro porventura alguma vez daqui a alguns anos junto de califórnia vinte e um que não te admires se olhares e me não vires Estarei longe talvez tenha envelhecido Terei até talvez mesmo morrido Não te deixes ficar sequer à minha espera não telefones não marques o número ele terá mudado a casa será outra Nada penses ou faças vai-te embora tu serás nessa altura jovem como agora tu serás sempre a mesma fresca jovem pura que alaga de luz todos os olhos que exibe o sossego dos antigos templos e que resiste ao tempo como a pedra que vê passar os dias um por um que contempla a sucessão de escuridão e luz e assiste ao assalto pelo sol daquele poder que pertencia à lua
- Muriel, Ruy Belo - ............................... Um dos meus poemas preferidos dele...
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Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
E penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontro
sem que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
Decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
Ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
(...)
(...)
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
- Muriel, Ruy Belo -
...............................
Um dos meus poemas preferidos dele...
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